quinta-feira, julho 23, 2009

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Beija-me o pescoço, na base que curva para acentuar o ombro e desce, percorre as minhas costas com o toque suave dos teus lábios, com o quente húmido da tua língua. Aguça todos os meus sentidos com a tua boca de mel e emoldura as minhas ancas com as tuas mãos fortes.

Torna agora a subir, arrepia cada milímetro da minha pele e procura a minha boca para me devorares com sofreguidão. Crava os teus dedos ansiosos nos meus seios e aperta-me com força contra o teu peito.

Pára! Agora afasta-te, respira fundo e deseja-me só com o olhar, viaja por cada detalhe do meu corpo e observa as minhas mãos a descerem felinas pelo meu ventre, delicia-te com o meu prazer que é teu também. Partilha comigo este desejo de entrega, esta ode aos sentidos e a loucura da rendição.

segunda-feira, julho 20, 2009

alma náufraga

Há uma alma perdida a vaguear no convés de um barco naufragado, encalhado, arrasado e envelhecido, vencido pelas ondas agitadas de uma tempestade, numa noite escura e fria. A viagem acabou, as mãos engelharam-se, o olhar embaciou-se e do rosto, todas as cores se esvaíram. Já não há ninguém à espera no cais.

Não há risos nem sorrisos, não há abraços nem afagos, não há lágrimas nem suspiros e os lenços brancos já não se agitam ao vento. O tempo passou e com ele a ânsia dos olhares postos no mar. Os corações aconchegaram-se nos casacos pesados da lã de Inverno e aos poucos foram se esquecendo que um dia tinham esperado por um barco no cais.

Pairando sobre a memória de um passadiço de madeira firme, agora bolorenta e recoberta de um limo viscoso, avança até à proa daquele gigante largado ao mar. Também ela largada ao mar, ali ficou depois do fim, feita capitã dos mares na recusa de abandonar o posto, esperando um recomeço, uma salvação que nunca chegou. E da espera feita eterna, veio o apego e a estranha afeição àquele barco submerso e esquecido, como esquecida estava ela da vida.

Todos os fantasmas tinham desaparecido, fosse na perseguição de uma luz ou sugados pela escuridão, mas tarde ou cedo todos se tinham diluído naquelas águas sombrias. Todos menos ela. Náufraga de corpo e de alma, fizera daqueles destroços a sua ilha, o seu limbo e purgatório. Aguardava que um qualquer barqueiro ali se aportasse para lhe oferecer uma derradeira viagem, uma passagem para esse caminho que as almas percorrem antes da redenção.

É que já no longínquo dia em que a sua alma, ainda corpo, tinha embarcado naquele navio, ela buscava como único destino a redenção, na forma de um par de braços que a esperariam no cais, agitando um lenço branco ao vento.

quinta-feira, julho 16, 2009

história do mar

Ela é ninfa etérea, de pele clara e cabelo de mel, enrolado como a dança das ondas. Tem na pele a macieza do passar das águas e nas curvas o ondular do mar. Caminha quase pairando e traz consigo um cheiro de doce sal. Emerge das águas escuras e sorri.

Ele é faroleiro rendido, vergastado pelo tempo, derrotado pela solidão, guardião da luz que acalma os marinheiros vadios. De pele dura e vivida traz no rosto as marcas do vento norte e no olhar, o azul do horizonte que fixa, noite após noite, à espera de também ele ver aí a sua luz.

Ela é mar revolto, é força de ondas gigantes, ele é terra firme de esperança iluminada. Dois seres de dois mundos que se tocam, cruzam, mas nunca se misturam ou entranham. Encontram-se à beira do mar nas noites escuras, quando a lua já vai alta demais para denunciar os amantes. Naquela areia há silêncio e entrega, há loucura e paixão, rendição e abandono. Naquela areia ficam os sonhos do mar que deseja a terra e da terra que anseia pelo mar. E ali ficam as marcas de um encontro improvável, quase impossível e que a maré sobe apressada para apagar os seus vestígios.

Aos primeiros raios de sol, ela esgueira-se do seu corpo firme e torna ao mar, navegando para longe, sem um olhar, sem um adeus. Ele ali fica, mais uns instantes, enquanto o cheiro dela ainda o embriaga e só depois aclara a visão, tentando em vão desvendar-lhe o destino. E perante a ausência de evidências ali fica a questionar-se, se a noite foi de entrega real ou de sonhada fantasia. Torna ao seu farol, à sua torre segura e espera por mais uma noite, de olhar fixo no horizonte, à espera de ver ali a sua luz.