terça-feira, junho 12, 2007

positivo

Senti a areia húmida e fria debaixo dos meus pés nus. Um arrepio percorreu o meu corpo e a aragem fria daquela madrugada trouxe consigo as lembranças da minha adolescência, das férias passadas no Algarve, das grandes noitadas que acabavam normalmente na praia, à beira de uma fogueira, rodeada de amigos. Um grupo de miúdos, inconsequentes, inconstantes e incompreendidos nas suas ânsias. Conversas de fim de noite, casalinhos de verão, cerveja e música, num mundo ideal que se prolongava por quatro semanas de puro divertimento, onde tudo era permitido. Depois voltávamos à cidade, à monotonia dos estudos que odiávamos, às tardes passadas no café para escapar às aulas de química e ao sufoco do recolher obrigatório.

Sentei-me à beira-mar, que a esta hora não passava de uma imensidão negra e brilhante que se espalhava à minha frente e soltava os seus murmúrios e lamentações. Em breve ia começar a nascer o sol. Achei que tinha perdido um pouco a noção do tempo e tive a sensação que já vagueava por ali há horas. Tinha ido para ali para pensar, para chorar as minhas dores e, no entanto, acabaram por me vir à memória as recordações e sensações que quase havia esquecido. E não pensei em nada daquilo que queria, nem por um momento pensei na notícia que recebera essa tarde. Só agora, depois de terem passado pela minha cabeça todas as memórias e recordações, desde a infância até à idade adulta, só agora parava para pensar no que me tinha levado ali.

Não é todos os dias que nos dizem termos os dias contados. Não é todos os dias que somos condenados à morte, sem direito a julgamento ou defesa possível. A morte anunciada chegou numa carta, com uma única palavra a fazer toda a diferença, disposta a mudar uma vida. Positivo. A palavra que para mim se tornou lâmina de guilhotina, tomou conta da minha vontade, decidida a conduzir-me ao pesadelo e ao inferno de uma doença aterradora. Chegou sem pedir licença, decidida a roubar-me as minhas pequenas conquistas.

Tinha descoberto da pior forma que o prazer inconsequente e irreflectido tinha um valor alto de mais.

Decidi naquele instante que não ia esperar pela cobrança. Sem pensar muito mais, avancei determinada em direcção à água gelada e negra. Estava tão fria que quase não me apercebi que o meu coração se contorcia de agonia e os músculos contraíam-se em pequenos espasmos. Mas foi tudo muito rápido, muito breve… assim como tinha sido o tal momento de prazer.