quarta-feira, novembro 04, 2009

tenho saudades

tenho saudades de abrir a janela exígua do quarto e inspirar o ar fresco, mesmo nas manhãs de verão, e de sentir o cheiro dos pinheiros salpicados de gotas de orvalho.

tenho saudades de sair para a rua apressada, quanto metade da casa ainda dormia, de bucha na mão para aconchegar os roncos do estômago, e calcorrear as ruelas da aldeia, descalça, sentido as pedras frias e húmidas por debaixo de mim.

tenho saudades de descer a ladeira até à ponte gigante de pedra que se arqueava para deixar correr o rio em todo o seu esplendor e de me sentar nas pedras junto à levada, para fazer daquela água apressada o meu duche matinal.

tenho saudades de brincar todo o dia na rua, de me embrenhar nos pinhais, de regressar poeirenta e imunda e mergulhar ao final da tarde no negrume do rio, e logo a seguir empoeirar-me de novo em mais aventuras.

tenho saudades de saltar às figueiras, de trepar aos pessegueiros e do doce sabor de mel de uma fruta roubada, às vezes morna por não ter abrigo do sol.

tenho saudades dos serões no adro da igreja, à volta de uma fogueira aromatizada de eucalipto, com fagulhas a dançar no ar quente das noites de verão, das conversas dos velhos e das risadas dos novos.

tenho saudades de mim assim, franzina, sem chegar a um metro, cabelo tosquiado à rapazola, rosada e tisnada do sol.

tenho saudades da minha inocência, de não saber nada da vida e de achar que ia ser sempre assim, feliz... que ia poder sempre descalçar-me, sentir o chão debaixo dos pés, refrescar-me debaixo da cascata e sorrir.

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