quarta-feira, agosto 05, 2009

velhos desconhecidos

Sentada no banco do jardim, sentindo a brisa fresca do final de tarde, lia atentamente as últimas páginas do livro que a tinha acompanhado nos últimos tempos. Agora trazia-o sempre consigo, aproveitando cada instante livre para avançar um pouco mais naquela história que prendia e fascinava a cada frase. Revia-se em cada movimento e em cada suspiro da personagem principal e projectava naquela trama intricada o filme da sua própria vida. Buscava, ansiosa, as últimas páginas, esperando antever ali o desfecho da sua própria história.

No entanto, um certo nervoso miudinho impedia que toda a sua atenção se focasse no livro. Lia uma frase ou duas e logo em seguida voltava atrás por já se ter perdido no seu sentido. Em pano de fundo, estava atenta a tudo o que a rodeava: o casal adolescente junto a uma árvore frondosa em beijos apaixonados e inconsequentes; uns metros mais à frente, noutro banco igual ao seu, uma mulher solitária alimentava um bando de pombos; no carreiro que ladeava o jardim um jovem executivo apressado discutia ao telemóvel.

Cada movimento em redor tinha a sua total atenção. Combinara naquele final de tarde um há muito adiado encontro, com um perfeito estranho que conhecera na internet. Nem sabe muito bem porque tinha acedido ao pedido… trocavam mensagens há dois meses e por ela ficariam assim outros dois. Mas, talvez inspirada pela personagem do livro que trazia consigo, achou que devia arriscar, como arriscam as heroínas dos filmes e pelo menos uma vez, sair da sua redoma, do seu ninho e refúgio.

Mas agora estava nervosa, um aperto na barriga e um constante agitar de pernas indicavam que talvez se tivesse precipitado… afinal, ela não tinha a fibra das heroínas dos filmes. Conhecer este estranho era diferente, talvez porque ele apenas lhe seria estranho nas feições, nas expressões e trejeitos. Conhecia dele mais do que de muitos amigos de longa data… assim como também sabia ter dado a conhecer tudo de si. Sentia-se por isso nua perante ele e seria por isso o único primeiro encontro a que ela comparecia assim, nua.

Perdida entre estes seus pensamentos, os parágrafos do livro perto do fim e as personagens que povoavam aquele jardim, acabou por não se aperceber da chegada do seu desconhecido, que a surpreendeu com um olá sorridente. Agitada retribuiu o cumprimento enquanto ele se sentava ao seu lado. Ele falava com uma total e aparente normalidade, como se a tivesse visto ainda ontem no café ou no bar. Ela, mais calada, ia sondando tudo que ainda desconhecia nele, a estrutura do rosto, a cor dos olhos, o ondular do cabelo e o tom da voz.

Ainda demorou algum tempo até que se conseguisse abstrair desta sensação de desconforto, de estar perante um estranho como amigos desde sempre. Mas a pouco foi descontraindo, foi soltando o sorriso, o corpo e a voz… a pouco foram encaixando os seus ritmos e já era quase noite sem que se tivessem dado conta do passar do tempo. Do crepúsculo ao convite para jantar foi um instante apenas e a noite viria a revelar-se uma das melhores da sua vida.

Só no dia seguinte, quando a luz da manhã a surpreendeu a ela, poisada nos braços do seu desconhecido num abraço profundo, é que se apercebeu como tinha andado alheada e anestesiada nos últimos tempos. Deu-se conta que a vida só é vivida por aqueles que a ela se entregam, deixando o medo para trás, mesmo que isso signifique, de vez em quando, esbarrar em desilusões e tristezas. Às vezes também era possível esbarrar em momentos de grande paz e tranquilidade, como aquele que experienciava agora.

Deu-se também conta que tinha deixado o livro, inacabado, esquecido no banco do jardim. E não valia a pena voltar atrás para o procurar. Não pela probabilidade de já não o encontrar lá, mas porque o desfecho do livro deixara de lhe interessar. Aquela história em que ela se vinha revendo deixara de ser a dela e passara a ser aquilo que sempre fora: uma história de ficção de uma personagem inventada. O seu livro e a sua história estavam ainda por escrever.

1 comentário:

Regina disse...

Não sei onde te foste inspirar… ou talvez saiba… Mas não consigo evitar o comentário!... E da importância, cada vez maior, nas nossas vidas, de “saltos de fé”… Há uns tempos, um amigo meu disse-me que… amar alguém era um salto de fé… E a vida não terá que ser isso mesmo?!... Um salto para o infinito, acreditando, acreditando sempre que somos capazes… que seremos capazes de ser felizes!
E às vezes é mesmo, quando menos esperamos, de onde menos esperamos, que surge o amor… esse desejável néctar que todos ambicionamos ter para brindar a nossa vida… E acreditar que é possível… é possível começar de novo, enfrentar medos e angústias, dias e noites, em claro, assustadas, dúvidas e hesitações… e é possível voltar a ser feliz… Para isso, não podemos fugir e temos mesmo que “saltar” e “voar” nesse “salto de fé” que é a vida!